A (pouca) ética dos homens da bola
Nos últimos dias e nos que para vir estão, o tema de conversa dominante nas demais ruas portuguesas – e não só, - é Jorge Jesus.
Muitos dão-no como ingrato, outros como traidor. Porquê? Ora, decidiu, depois de seis anos de águia ao peito, mudar-se para o terreno do eterno rival lisboeta. Atravessou a 2ª Circular. Quinhentos metros, rumo a Alvalade.
Imediata e inevitavelmente, do peito dos benfiquistas brotou um legítimo sentimento de traição e falta de gratidão.
É que não é facil – e eu entendo-os – ver um homem que dedicou os últimos seis anos da sua vida profissional ao Benfica, dando o máximo de si em prol do clube e da conquista de títulos. Decerto com algumas épocas falhadas de entre estas seis, mas com dez títulos oficiais no bolso se muda para o Sporting. (Para o Sporting!)
Ver o nosso treinador, duas semanas depois de ser bicampeão, estar a treinar o Sporting, é estranho. E mais estranho vai ser vê-lo e encará-lo no Algarve como adversário na Supertaça, em Agosto.
Mas eu não condeno Jesus. Todos sabemos que ele é sportinguista, inclusive formado enquanto jogador nas camadas jovens do sporting, onde chegou à equipa principal; todos sabemos que é bastante apegado à sua família, particularmente ao seu pai, que ainda se mantém vivo, embora preso a uma cama num lar: por isto, jamais se ausentaria de Portugal, mesmo na condição de ir treinar um colosso europeu. Mas, e talvez o mais importante e decisivo no seio desta decisão: a promessa que um dia fez ao seu pai, Virgolino, também sportinguista, de que um dia iria chegar a treinador do seu clube do coração.
E eu não o condeno.
Deu o máximo de si ao serviço do Benfica, e o Benfica tem que lhe estar grato. Agora, vai dar o máximo de si ao serviço do Sporting.
E agora, como fica o Benfica? Não há insubstituíveis! Ao longo destes cento e onze anos de história, o Benfica não teve apenas Jorge Jesus como treinador e, como sabemos, teve o êxito que teve no decorrer das décadas.
Como tal, estou certo de que, venha quem vier, o Benfica vai continuar a vencer e a ser o maior de Portugal.
Até aqui, e na minha sincera opinião, não existe falta de ética – como anunciei no título deste texto.
Existe, sim, um homem que deu e dá sempre o seu melhor por onde passa enquanto profissional e, aproveitando o final de contrato com o seu clube, se mudou para o clube do seu coração, do qual é adepto desde sempre e sempre quis treinar. Apenas uma particularidade: é o Sporting. É um rival.
E é isto que pode levar, do mais comum dos adeptos aos que ocupam os cargos mais relevantes, a confundir-se ausência de ética, ingratidão e traição, com o simples ato de seguir os sentimentos, o coração. E, estou em crer, o desejo de ser e estar o mais feliz possível.
Por outro lado: a falta de ética situa-se, sim, em Alvalade.
E digo isto, não por ser benfiquista, mas sim por constituir a mais pura das verdades.
Ingratidão e traição revelam-se não quando se troca de clube, mas quando se negoceia com outro treinador, ainda tendo um a desempenhar essas mesmas funções.
Bruno de Carvalho revelou, neste processo, falta de princípios e valores humanos. Como que quis fazer “reset” a Marco Silva. Eliminá-lo rapidamente, para trazer Jorge Jesus.
Melhor: consumou precisamente o contrário. Trouxe Jorge Jesus e eliminou rapidamente Marco Silva.
Abdicou do contrato que o vinculava a Alvalade por mais três anos, alegando justa causa. Ora, isto já por si é difícil de entender: despedir um treinador por justa causa depois de este conseguir o primeiro título do clube em sete anos.
Contudo, o que é grave e coloca à vista o caráter de Bruno de Carvalho é justificar a justa causa com o facto de Marco Silva não ter usado o fato oficial do clube num jogo da Taça de Portugal…
Isto roça o anedótico.
Um presidente não deve; não pode ser isto. Não basta equilibrar as finanças, há que gerir os recursos humanos, e gerí-los de forma responsável. Bruno de Carvalho já demonstrou várias vezes que não tens capacidades para tal.
Isto, sim, é falta de ética. Pura e dura. E isto, ao acontecer no futebol, pode alargar-se a tudo na vida. Porque pessoas como eu, jovens, apaixonadas por este desporto, crescem a amá-lo, mas crescem, sobretudo, a assimilar esta falta de decência e valores.
Daqui a uns anos teremos, decerto, a sociedade contaminada com a doença de Bruno de Carvalho!